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ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS E ARTES MINIMALISTAS

ABLAM - A primeira Academia Minimalista do Brasil

Textos

Discurso de posse acadêmica
SAUDAÇÃO AO POETA ADÃO VENTURA

Por Fábio de Jesus de Carvalho
ABLAM- cadeira 27 -Adão Ventura
Posse em 21 de agosto de 2022

Bom dia, confrades e confreiras! Muito agradecido e feliz pelo espaço concedido a minha participação nessa tão jovem, criativa e ilustre instituição. Agradeço à Vida, aos meus pais, Joel e Rosa, pelo amor e cuidado, à esposa, companheira de todas as horas, Ana Oliveira, e às filhas que me ensinam a cada dia sobre carinho, cuidado e generosidade, Luanne e Jamily.
Agradeço, também, às amigas e amigos do Movimento Cultural Rolé Literário que hoje comemora seus três anos de militância pelo direito à subjetividade de subúrbios, favelas e  Baixada Fluminense. A esse grupo devo muito do que fiz nos últimos tempos, pois me encorajaram a “desengavetar” escritos.
Ao longo da semana, fui tomado de ansiedade para viver esse momento com todas e todos. Apesar da correria dos dias, procurei ir preparando esse pequeno discurso a cada fresta do tempo em meio à loucura laboral. Espero não cansar demais os seus ouvidos. Prometo ser breve…Afinal, somos parte de um grupo de artistas minimalistas. Não cai bem utilizar palavras sem a devida parcimônia.
Minha relação com a ABLAM começou no ano de 2021. Ela se deu no período em que lancei Poetrix e poemas avulsos, meu segundo livro. Lá explorei a forma poética do poetrix, como o título sugere. Decidi, cheio de coragem, buscar contato com Goulart Gomes, mestre nessa forma poética, e lhe enviar um exemplar da obra. O grande Goulart não só gostou como me indicou para a ABLAM. Logo travei contato com o confrade Rogério e fui bem recebido nessas fileiras.
Sou um professor e historiador carioca, nascido no morro do Andaraí. Andaraí é um bairro da Zona Norte, cenário de algumas obras de Machado de Assis, como Helena. Foi local de instalação das primeiras fábricas do Rio de Janeiro e do Brasil. Região que viu, também, uma primeira tentativa de greve operária para melhorar as condições dos tecelões, no início do século XX. Depois que as fábricas foram embora, o bairro foi sumindo. Sendo fagocitado pelos vizinhos mais ricos. É desse subúrbio esquecido que escrevo, aliás, escrevo para que ele e as histórias de minha gente não desapareçam.
Escrevo, também, pelo carnaval, pelos batuques e ruas cheias. Avenidas coloridas pelo vermelho da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro e o verde, vermelho e branco da Flor da Mina do Andaraí. Meus pequenos escritos são pelas feiras, benzedeiras,relatos dos mais velhos e pelas coisas simples da vida. Enfim, escrevo, como um culto à minha ancestralidade
No corrente ano de 2022, vivi a emoção de estar nas celebrações da Semana de 22 em São Paulo, junto com parte de nosso grupo. Ali, pude me apresentar, falar um pouco do projeto Rolé Literário,  trocar livros e experiências com confrades e confreiras, entender o funcionamento da Academia e gozar de momentos agradáveis. Assim, decidi: queria fazer parte da entidade. Fui amadurecendo a ideia e me candidatei.
Impertinente que sou, pleiteei uma cadeira ligada a alguém com o qual me identificava. Sou um homem negro. Aliás, um escritor negro brasileiro. Inegável não me identificar com outros que ainda, em minha humilde opinião são pouco reconhecidos em seu trabalho Esse é o caso de Adão Ventura. Agradeço muito a boa vontade que minhas irmãs e irmãos minimalistas atenderam à minha solicitação.
Bem, fazer parte de um grupo de pessoas de Letras traz consigo, acredito, algumas responsabilidades. Uma delas é o estudo e o aprimoramento constante da escrita. E isso se dá através da leitura e do escrever permanente. Outra responsabilidade, no caso minimalista, é se permitir explorar novos estilos e, ainda, divulgá-los de maneiras diversas. Seja poetrix, a trova, a aldravia, o dístico ou outro. Por fim, há o dever de se levar a obra de nossos patronos para além de nossos muros. É levar às pessoas seus escritos, suas vitórias e lutas. É o que prometo fazer desse momento em diante.
O Vale do Jequitinhonha, terra da qual o eterno Adão Ventura foi feito, é uma região do estado de Minas Gerais. Essa é uma localidade de baixíssimos indicadores sociais em nosso país. Área grande, banhada pelo rio Jequitinhonha. Há sobre o vale uma grande chaga brasileira: a fome. Sua gente é sofrida. Canoeiros, pescadores e tropeiros vivem ali muitas dificuldades.
O ambiente do Vale é cheio de belezas naturais e riquezas. Além de imensa riqueza cultural. Seu artesanato é variado. Práticas consideradas patrimônios culturais. Há carências? Diversas, mas há muita potência! Lugar de arte, canto, verso e violas a espalhar suas melodias pelo ar.
Nesse pedaço de nossos muitos “Brasis” nasce um menino de pele retinta, neto de escravizados e fazendo parte de uma linhagem de trabalhadores de fazendas e minas. Seu nome? Adão Ventura dos Reis, nascido em 5 de julho de 1939. Há uma disputa entre as cidades do Serro e de Santo Antônio do Itambé por sua naturalidade. O autor contou em uma entrevista, concedida em 1997 para o programa “Vereda Literária”, que o colocaram na parede, certa vez. Exigiram que ele dissesse qual era a região mais importante para ele. O poeta saiu da sinuca de bico dizendo que Serro era importante por sua participação política na vida do país e Itambé pelo seu potencial ecológico. Mas era categórico: nascera no Itambé e lá arriscou seus primeiros versos. E o Serro? Bem, lá viveu seus primeiros amores no período escolar do ginásio. Exercitava sua escrita em versos de amor para ajudar seus amigos a conquistarem as meninas desejadas mas sob intensa vigilância familiar. Outros tempos…
Viveu no Vale sua infância e adolescência. Cresceu observando e sentindo na pele a dureza da vida causadas pelas carências bem conhecidas do vale, mas explorando sua natureza e sentindo a potência criadora na poiesis de sua gente. Em seus primeiros trabalhos, talvez, isso não fique tão explícito quanto nas obras posteriores como veremos.
Do Serro foi estudar em Belo Horizonte. Entre meados de 1960 e início da década de 1970 teve uma intensa vida. Foi colaborador do importante e influente Suplemento Literário do Minas Gerais, órgão do governo, que muito influenciou as Letras mineiras naquela época.
Em 1970, lançou o volume Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul , seu escrito de estreia, que foi bem acolhido pela crítica. O livro tinha como cerne uma poesia surrealista e cheia de figuras de linguagem. Ainda na linha do experimentalismo, veio As musculaturas do Arco do Triunfo, em 1976. Por essa época recebeu diversos prêmios por sua produção literária.
O ano de virada em sua vida artística foi 1973. Um professor, após a leitura de um dos poemas do primeiro livro, o convidou para dar aulas nos EUA. Sua cadeira seria a de Literatura Brasileira Contemporânea, na University of New Mexico. Em solo estadunidense, pode-se dizer, sua poesia "enegreceu''. Precisamos lembrar que os norte-americanos viviam a intensa luta pelos Direitos Civis e as manifestações da cultura afro-americana estava intensamente pelos lugares. Adão Ventura sorveu o blues, o jazz, a poesia e outras produções artísticas da negritude estadunidense.
Em 1980, lançou seu livro mais conhecido e, talvez, o que sintetiza sua obra poética com a temática negra: A cor da pele. Entre 1980 e 1990, viveu entre a produção poética, o trabalho no Direito e a militância pela causa negra brasileira. Nos anos de 1990 atuou como juiz classista e presidiu a Fundação Cultural Palmares, entidade federal que se preocupa em promover, discutir e preservar a cultura afro-brasileira. Foi de extrema importância para a consolidação da, então, nova entidade, quanto à sua missão e os valores que prega.
O poeta se calou, prematuramente, aos 64 anos, em 12 de junho de 2004. Seu acervo com poemas inéditos, correspondências e objetos pessoais estão em poder da Universidade Federal de Minas Gerais. Sua produção hoje, apesar de ser reconhecida pela crítica, está distante do público. Inclusive, boa parte de sua obra está esgotada. A internet nos permite vislumbrar um pouco da grande obra desse autor.
Concluindo, a produção de Adão Ventura permanece viva mesmo após os 18 anos de sua morte. Sua obra é traduzida para diversos idiomas. Presente em antologias brasileiras e estrangeiras. Produziu 7 obras individuais, sendo uma delas infantil. Sua produção poética é espaçada. Apesar de ser respeitado nas letras, passava por dificuldades comuns na edição de poemas no país.

Breve comentário e amostras sobre a obra poética:

    Os poemas de Ventura que exploram a negritude são  militantes, mas ele dizia que buscava não ser panfletário. Almejava ser lido e entendido pela negritude de todos os lugares. Parece que foi vitorioso, pois seus poemas foram traduzidos em diversos idiomas. Dizia ainda que, passado o momento, os escritos panfletários envelhecem.

Negro forro

minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigode retorcidos.

minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele

Poema incluído na coletânea “Os cem melhores poemas brasileiros”.

Para um negro

Para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco.

Para um negro
a cor da pele
é uma faca
     que atinge

muito mais em cheio
 o coração.


Agora

É hora
de amolar a foice
e cortar o pescoço do cão.

– Não deixar que ele rosne
nos quintais
da África.

É hora
de sair do gueto/eito
senzala
e vir para a sala
– nosso lugar é junto ao Sol.
Fabio de Jesus de Carvalho Cadeira 27 Patrono Adão Ventura
Enviado por ABLAM em 26/08/2022
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