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ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS E ARTES MINIMALISTAS

ABLAM - A primeira Academia Minimalista do Brasil

Textos

PATRONO – GUILHERME DE ALMEIDA

PRÍNCIPE DOS POETAS BRASILEIROS – VISIONÁRIO E MINIMALISTA

O presente trabalho tem por objetivo exaltar e enaltecer Guilherme de Almeida, patrono da cadeira 10, da ABLAM - Academia Brasileira de Letras e Artes Minimalistas, onde o autor tomou posse como acadêmico fundador.
Guilherme de Almeida foi um dos poetas mais populares do país. Comumente lembrado por seus poemas românticos, elogiado por Manuel Bandeira como o maior em Língua Portuguesa, poucos conhecem a poesia minimalista, com incursão concretista, visionária, que adota em sua maturidade literária.  
"É uma procura constante e radical de economia de elementos, combinada à densidade de significação", escreve Marcelo Tápia, diretor do Museu Casa Guilherme de Almeida, no prefácio do seu último livro, publicado, em 2011, post mortem.
É o que se pretende demonstrar.
RESUMO BIOGRÁFICO
Poeta brasileiro, Guilherme de Andrade e Almeida nasceu em Campinas, em 24 de julho de 1890, filho do jurista e professor Estevão de Araújo Almeida e de Angelina de Andrade Almeida. Faleceu em 11 de julho de 1969, aos 79 anos de idade, em São Paulo, na sua casa da Rua Macapá, no Pacaembu – a Casa da Colina - onde residia desde 1946 e onde hoje é o museu biográfico e literário Casa Guilherme de Almeida, inaugurado em 1979. Encontra-se sepultado no Mausoléu do Soldado Constitucionalista, na capital paulista.
Passou sua infância em Campinas, onde nasceu, e nas cidades próximas de Araras e Rio Claro onde realizou os estudos primários.
Estudou no Ginásio de Campinas, hoje Colégio Culto a Ciência, e com a ida da família para São Paulo ingressou no Colégio São Bento. Formou-se, em 1907, no Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos Irmãos Maristas. Em 1912, aos 22 anos, concluiu o curso da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.
Sua episódica experiência como profissional do direito compreendeu, logo que formado advogado, atuação como promotor público em Apiaí e Mogi Mirim e, em 1914, de volta à Capital, no escritório de advocacia do pai até 1923. A partir daí, passou a dedicar-se prioritariamente à atividade de escritor e poeta iniciada alguns anos antes.
Com a parceria do Ilustrador Wash Rodrigues, em 1917, Guilherme de Almeida venceu o concurso para definir o brasão da cidade de São Paulo onde se lê “Non ducor, duco”. Heraldista, também criou os brasões de outras cidades: Petrópolis - RJ, Volta Redonda - RJ, Londrina – PR, Guaxupé – MG, Caconde – SP, Iacanga – SP, Embu – SP e Brasília – DF.  
Em 1916, Guilherme de Almeida passou a colaborar na imprensa paulista nas revistas A Cigarra, O Pirralho e Vida Moderna e, a convite de Amadeu Amaral, inicia sua participação na redação do Estadinho, edição da noite, do Jornal O Estado de S. Paulo onde, mais tarde, em 1927 e 1929, respectivamente, seria responsável por duas colunas: Cinematógrafos e Sociedade.
Guilherme de Almeida casou-se com Belkiss Barroso do Amaral, a Baby, em setembro de 1923, e mudou-se para o Rio de Janeiro onde permaneceu até 1925, retornando após a São Paulo. Tiveram um filho, Guy Sérgio Haroldo Estevão Zózimo Barroso de Almeida, que nasceu em 1924.
De 1927 a 1932, manteve colunas diárias no Jornal O Estado de S. Paulo, “Cinematógrafos”, pioneira da crítica cinematográfica no Brasil, e “Sociedade”, onde publicou milhares de comentários e críticas e no jornal Diário Nacional, a partir de 1928, a coluna “Pela Cidade”. Em paralelo, exercia o cargo de Secretário da Escola Normal do Brás, nomeado que fora antes do seu casamento.
Por 22 anos, de 1925 a 1947, assoberbado por uma rotina diária pela sobrevivência, redação das crônicas, conferências, e por episódios da sua vida como a Revolução Constitucionalista de 1932 e o exílio em Portugal, publicou apenas um livro de poemas inéditos, “Você”, em 1931; os demais, basicamente, foram compilações de poemas já publicados e traduções.  
A partir de 1946, na sua nova casa à Rua Macapá, em São Paulo, hoje museu, volta a compor com mais regularidade e, em 1947, publica “Poesia Vária”, que inclui “Peregrinação”, “O Anjo de Sal”, “Acalanto de Bartira” e “Pequeno Romanceiro”. Seguem-se “Rua” (1961), “Rosamor” (1965), “Os Sonetos de Guilherme de Almeida” (1968) e “Margem” (1969), este último publicado post mortem.  Durante décadas, foi o mais popular poeta paulista.
Em 1959, em concurso patrocinado pelo jornal Correio da Manhã - o último - concorrendo, dentre outros, com Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, Vinicius de Moraes e Mauro Mota, foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros, por um colégio eleitoral de cerca de mil componentes. Antes, nesse mesmo concurso, haviam sido eleitos, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Olegário Mariano.
Poeta, jornalista, tradutor, advogado, heraldista, Guilherme de Almeida era um humanista, sabia grego, latim e conhecia muito da cultura renascentista. Sua obra compreende mais de 70 publicações entre poesia, prosa, ensaio, tradução, além de extenso trabalho jornalístico ainda esparso.
No período de sua vida, 1890 a 1969, o país assistiu ao surgimento de vários movimentos literários desde antes do modernismo até o concretismo. Guilherme de Almeida navegou e curtiu todos esses movimentos, produzindo e inovando sempre, porém sem se fixar em nenhum deles, como bem mostra sua extensa produção literária, inclusive um último livro – Margem – tornado público post mortem, em 2010, com poesias que hoje classificaríamos como minimalistas.
ROMANTISMO
Sua estreia literária deu-se em 1916, aos 26 anos, com duas peças de teatro escritas em francês, em colaboração com Oswald de Andrade, “Mon Coeur Balance” e “Leur Âme”.
Seu primeiro livro de poemas, “Nós”, foi lançado em 1917, seguindose “A Dança das Horas” e “Messidor”, de 1919, o “Livro de Horas de Soror Dolorosa”, publicado em 1920, “Era uma vez...”, em 1922, “A Frauta Que Eu Perdi – Canções Gregas” e o ensaio “Natalika”, em 1924, e, em 1925,  “Meu e Raça”, os atos em verso de Scherazade e Narciso – “A flor que foi um Homem” e “Encantamento”. O “Festim”, também escrito nesta época, só foi publicado em 1952.  
Do livro “Nós”, de 1917, onde há apenas sonetos, 33 ao todo:
INDIFERENÇA

Hoje voltas-me o rosto, se ao teu lado passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto. E assim fazemos, como se com isto, pudéssemos varrer nosso passado.

Passo, esquecido de te olhar - coitado!
Vai – coitada! esquecida de que existo: Como se nunca me tivesses visto, como se eu sempre não te houvesse amado!

Se, às vezes, sem querer, nos entrevemos, se, quando passo, teu olhar me alcança, se meus olhos te alcançam, quando vais,
Ah! Só Deus sabe e só nós dois sabemos! Volta-nos sempre a pálida lembrança daqueles tempos que não voltam mais!

ESSA, QUE EU HEI DE AMAR...

Essa, que eu hei de amar perdidamente um dia, Será tão loura, e vagarosa, e bela, que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela, trazer luz e calor a esta alma escura e fria.

E, quando ela passar, tudo o que eu não sentia da vida há de acordar no coração que vela... E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz... – Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste...

E falou-me de longe: “Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”

XXI

Fico - deixas-me velho. Moça e bella, partes. Estes gerânios encarnados, que na janella vivem debruçados, vão morrer debruçados na janella.

E o piano, o teu canário tagarela, a lâmpada, o divan, os cortinados: - "Que é feito della?" - indagarão - coitados!
E os amigos dirão: - "Que é feito della?"

Parte! E se, olhando atraz, da extrema curva da estrada, vires, esbatida e turva, tremer a alvura dos cabellos meus;
irás pensando, pelo teu caminho, que essa pobre cabeça de velhinho é um lenço branco que te diz adeus!

Nesse período de sua vida poética, Guilherme de Almeida sofreu influência de vários poetas expoentes do romantismo, lirismo e parnasianismo, dentre os quais, os portugueses Guerra Junqueiro (1850-1923) e Antônio Nobre (1867-1900), e os brasileiros Castro Alves (1847-1871), Raimundo Correia (1859-1911), Olavo Bilac (1865-1918) e Vicente de Carvalho (1866-1924).
Embalado pelo sucesso dos seus primeiros lançamentos, ainda solteiro, teve a oportunidade de vivenciar os romances transformados em soneto. Teria dito:
- “Minha existência é um plágio da minha arte”.  

SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922
Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro daquele ano, o ano do centenário da Independência do Brasil, realizou-se no Teatro Municipal de São Paulo, evento e exposição de artistas da literatura, pintura, escultura, arquitetura, música e dança, que se transformou num marco do movimento modernista do país: preconizava ênfase à cultura brasileira em contraposição às antigas formas do academicismo-estrangeirismo que dominavam o meio cultural brasileiro.
Durante a Semana, um grupo de jovens artistas, irreverentes e contestadores, colocou em debate a produção cultural brasileira, defendendo um forte sentimento nacionalista e uma preocupação crescente com as coisas do povo brasileiro, sobretudo a cultura popular, até então discriminada pelas elites.
A reação da sociedade às apresentações da Semana foi extremamente crítica e severa, mas fato é que, a partir daí, surgem inúmeros movimentos, revistas e manifestos, consolidando o movimento modernista brasileiro.
Guilherme de Almeida participou da Semana de Arte Moderna, ao lado de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Manuel Bandeira, Heitor Villa Lobos, Graça Aranha, Anita Malfatti, Vitor Brecheret, Plinio Salgado e Guiomar Novaes, entre outros.
Durante a semana, no Teatro Municipal, no dia 13, recitou o poema “As Galeras” (“A Frauta Que Eu Perdi – Canções Gregas”) e lançou o livro de poemas “Era uma vez ...”.
Foi um dos criadores e redatores da revista mensal Klaxon, porta-voz do Movimento. Desenhou sua capa e redigiu e publicou textos e criou matérias publicitárias. Essa habilidade gráfica iria utilizar mais tarde em vários dos seus poemas, prenunciando o movimento concretista, bem como na composição dos seus livros, com capas por ele mesmo desenhadas. A Klaxon teve vida efêmera, funcionou até 1923.


MODERNISMO

Assumindo os valores do Movimento da Semana de Arte Moderna, difundiu ideias de renovação artística e literária, adotando a linha nacionalista do Modernismo, segundo a tese de que a poesia brasileira “deve ser de exportação e não importação”. Algumas das suas obras espelham seu ideário nacionalista como nos livros “Meu” e “Raça”, este, com a temática em torno do mestiço brasileiro (1925):
MINHA CRUZ
Há uma encruzilhada de três estradas sob a minha cruz de estrelas azuis:
Três caminhos se cruzam – um branco, um verde e um preto – três hastes da grande cruz.
E o branco que veio do norte, e o verde que veio da terra, e o preto que veio do leste
Derivam num novo caminho, completam a cruz, unidos num só, fundidos num vértice.
Fusão ardente na fornalha tropical de barro vermelho, cozido, estalando ao calor...
Em 1925, Guilherme de Almeida fez conferências divulgando os ideais do Movimento Modernista em vários Estados do Brasil, a convite de Augusto Mayer e Joaquim Inojosa.
Difundiu a poesia moderna proferindo a conferência "Revelação do Brasil pela Poesia Moderna", nas cidades de Porto Alegre, Fortaleza e Recife.
A conferência compreendia duas partes. Na primeira, difundia e afirmava o momento vivido pela poesia brasileira, as teses e valores do Movimento. Na segunda, fazia um recital de textos e poemas modernistas.
Recitava textos do grupo da Semana de !922: Mário de Andrade, Luiz Aranha, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, João Alphonsus, Manoel Bandeira, Cassiano Ricardo, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Ronald Carvalho e outros. E, naturalmente, o próprio poema “Raça”.
Divulgando o Movimento Modernista Guilherme de Almeida torna-se conhecido no país e, ao mesmo tempo, é reconhecido pelos colegas.

PÓS- MODERNISMO
Embora tenha aderido ao Movimento da Semana de Arte Moderna, Guilherme de Almeida não encontrou nele os reais valores para a permanência e fixação da sua criação artística, característica, aliás, de sua obra, sempre navegando por vários estilos.
Após o Modernismo, o poeta retorna às origens, à perfeição formal por outros desprezada. Com seu virtuosismo literário e inventivo, continuou privilegiando a renovação de temas e linguagem, outra característica de sua obra. Sempre sobressaiu o artista do verso que Manuel Bandeira considerou o maior em Língua Portuguesa.
Lança as obras “Simplicidade” (1927), “Gente de Cinema”, prosa (1929), “Carta à Minha Noiva e Você” (1931).
São desse período também (1927-1932), as crônicas escritas para o jornal O Estado de S. Paulo, nas colunas “Cinematógrafos”, sob pseudônimo G, e “Sociedade”, onde assinava Guy, que somam 1.690 títulos,  e também para o jornal Diário Nacional em “Pela Cidade”.
Em 1932, publicou as traduções de “Toi e Moi”, de Paul Geraldy, “Gitanjoli”, de Rabindranath Tagore e também a peça “Entre Quatro Paredes”, de Jean Paul Sartre.
Com os acontecimentos políticos de 1930 e da Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo pega em armas contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas, Guilherme de Almeida assume participação política ativa, de que se trata mais à frente.
Nesse período, a par da atuação política, Guilherme de Almeida envereda para o campo da literatura paulista escrevendo sobre a terra e a gente paulista. Em consequência de sua atuação política, com a derrota de São Paulo, Guilherme de Almeida é exilado e fixa-se em Portugal, por cerca de um ano.  
Retorna ao Brasil, mas só a partir de 1946, como já se disse, após um interregno de vinte e dois anos, retoma a atividade literária: traduz 13 livros de poesia e publica 26 livros, dentre os quais, “Camoniana” (1956), “Pequeno Romanceiro” (1957), “Rua” (1961), “Cosmópolis, prosa” (1962), “Rosamor” (1965) e “Sonetos de Guilherme de Almeida” (1968).
A crítica sempre ressaltou a excelência de suas traduções. Em “Pequeno Cancioneiro”, faz reviver o estilo dos trovadores e, em “Camoniana”, assume também caracteres da lírica renascentista. Em “Poesia Vária”, dentre outros, apresenta os seus haicais. Nessas publicações, e também em anteriores, da década de 1920, observam-se perfeitamente os inovadores e inventivos experimentos decursivos da sua obra literária, de que se trata no último item deste trabalho – visionário e minimalista.

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
Guilherme de Almeida foi o primeiro modernista a pertencer a Academia Brasileira de Letras. Em 1930, foi eleito para a cadeira n.º 15, cujo patrono é Gonçalves Dias e Olavo Bilac fundador, seguindo-se Amadeu Amaral, seu antecessor.
Em seu discurso de posse fez referência às origens da poesia de língua portuguesa até os tempos contemporâneos, traçando a genealogia da poesia que chegou ao Brasil. Após, foca-se em Goncalves Dias, Olavo Bilac e em Amadeu Amaral, atribuindo-lhes, respectivamente, o “ritmo - um dizer”, o “lirismo – um sentir” e o “pensamento – um pensar”.
Foi recepcionado por Olegário Mariano, em elogioso discurso sobre sua obra literária, cujo encerramento foi o seguinte: “Sr. Guilherme de Almeida. Os deuses falam pela voz dos poetas. Aqui tendes, na Casa espiritual de Machado de Assis, um verdadeiro céu aberto. É vosso. Vinde e habitai-o!” Sua entrada abriu as portas aos modernistas.
Com Cassiano Ricardo, Manuel Bandeira, Menotti del Picchia e Alceu Amoroso Lima formou o grupo dos que lideraram a renovação da Academia. Também foi membro da Academia Paulista de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do Seminário de Estudos Galegos de Santiago de Compostela e do Instituto de Coimbra.

A REVOLUÇÃO DE 1932
Em 24/10/1930, Getúlio Vargas depõe Washington Luiz e em movimento armado, articulado pelos Estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, impede a posse do presidente eleito Júlio Prestes, sob alegação de fraude eleitoral, e assume a Presidência da República, quebrando a chamada “política do café com leite”, em que São Paulo e Minas Gerais se alternavam no poder.
Revogada a Constituição de 1891 e instalado o chamado Governo Provisório, Getúlio Vargas governa por decreto, nomeando interventores nos Estados e outras medidas, e sempre adiando a realização das prometidas Constituinte e novas eleições.
Insatisfeito com as medidas arbitrárias do Governo Provisório, o Estado de São Paulo decide pegar em armas, no episódio conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932. Guilherme de Almeida atuou ativamente nesse episódio histórico.
Em 1931, juntamente com seu irmão Tácito de Almeida, participou da constituição do Grupo Liga de Defesa Política que reuniu fazendeiros, escritores, intelectuais e profissionais liberais. A Liga cumpriu papel importante na divulgação dos ideais do movimento constitucionalista e no alistamento e organização de batalhões de soldados e serviços de apoio.
Tendo se alistado voluntariamente como soldado raso, chegou a lutar na cidade de Cunha. Porém, foi chamado de volta à capital e assumiu o “Jornal das Trincheiras”, publicação que teve 14 números oficiais que eram distribuídos nas áreas de combate e que circulou de 14 de agosto a 25 de setembro de 1932.
Os primeiros números do jornal abordavam a situação política com a publicação do discurso a favor da restauração da Constituição e, posteriormente, a exaltação do bandeirante e da gente e da terra paulistas. Foi uma das principais publicações do ideário constitucionalista.
Além disso, Guilherme de Almeida introduziu o humor no periódico com quadrinhos e textos de autores da época como o irreverente Juó Bananere.  Esse espaço literário permitiu que popularizasse alguns de seus poemas produzidos durante o acontecimento histórico como “Moeda Paulista” e a canção “O Passo do Soldado”, que virou hino da Revolução Constitucionalista de 1932.
Ao final do Movimento, Guilherme de Almeida foi preso e obrigado a se exilar do país. Viajou pela Europa, fixando-se em Portugal, onde permaneceu até o ano seguinte.
Em Portugal escreveu crônicas que foram reunidas no livro “O Meu Portugal”, publicado em 1933.
Em novembro de 1933, em resposta aos atos do Governo Provisório, publicados na Imprensa, que proibiam os Estados de terem insígnias próprias, como brasões, hinos, etc., escreveu o poema “Nossa Bandeira”, Bandeira de Treze Listas, que se tornou um marco nas comemorações cívicas em São Paulo.
Entre outras homenagens à cidade, tem os poemas “Moeda Paulista” e a “Oração Ante a Última Trincheira”. Também escreveu a letra do Hino Constitucionalista de 1932/MMDC, “O Passo do Soldado”, com música de Marcelo Tupinambá e interpretação do cantor Francisco Alves, o Chico Viola.
Nesse período, Guilherme de Almeida escreveu vários poemas que foram considerados “os mais belos poemas de exaltação a São Paulo”.
Essas publicações eram feitas na Revista Paulistânia, fundada no Clube Piratininga. “O bandeirantismo, ora cientificamente, ora literariamente, era abordado com rica iconografia, mantendo constante exaltação ao Estado de São Paulo”.
No poema “Piratininga”, Guilherme de Almeida retrata os bandeirantes como eram mostrados na Revista Paulistânia.
A produção literária de Guilherme de Almeida com poemas textos e hinos para São Paulo foi intensa. Por essa produção, o escritor tornouse símbolo do Estado como “Poeta-Soldado”, Poeta da Revolução”, “Poeta das Trincheiras” e “Poeta de São Paulo”.
No aniversário do IV Centenário de São Paulo, em 1954, Guilherme de Almeida foi nomeado Presidente da Comissão responsável pela parte literária realizada durante os festejos.
NOSSA BANDEIRA
Bandeira da minha terra, Bandeira das treze listas:
São treze lanças de guerra Cercando o chão dos paulistas!

Prece alternada, responso
Entre a cor branca e a cor preta: Velas de Martim Afonso, Sotaina do Padre Anchieta!

Bandeira de Bandeirantes,
Branca e rôta de tal sorte, Que entre os rasgões tremulantes, Mostrou as sombras da morte.

Riscos negros sobre a prata:
São como o rastro sombrio,
Que na água deixara a chata Das Monções subido o rio.

Página branca-pautada
Por Deus numa hora suprema, Para que, um dia, uma espada Sobre ela escrevesse um poema:

Poema do nosso orgulho
(Eu vibro quando me lembro) Que vai de nove de julho A vinte e oito de setembro!

Mapa da pátria guerreira Traçado pela vitória:
Cada lista é uma trincheira;
Cada trincheira é uma glória!
Tiras retas, firmes: quando
O inimigo surge à frente,
São barras de aço guardando Nossa terra e nossa gente.

São os dois rápidos brilhos Do trem de ferro que passa: Faixa negra dos seus trilhos Faixa branca da fumaça.

Fuligem das oficinas;
Cal que a cidades empoa; Fumo negro das usinas Estirado na garoa!



Linhas que avançam; há nelas,
Correndo num mesmo fito, O impulso das paralelas Que procuram o infinito.

Desfile de operários;
É o cafezal alinhado;
São filas de voluntários; São sulcos do nosso arado!

Bandeira que é o nosso espelho! Bandeira que é a nossa pista! Que traz, no topo vermelho, O Coração do Paulista!


ORAÇÃO ANTE A ÚLTIMA TRINCHEIRA
Agora é o silêncio...  
É o silêncio que faz a última chamada...  
É o silêncio que responde:  
— "Presente!"

Depois será a grande asa tutelar de São Paulo, asa que é dia, e noite, e sangue, e estrela, e mapa descendo petrificada sobre um sono que é vigília.

E aqui ficareis Heróis-Mártires, plantados, firmes para sempre neste santificado torrão de chão paulista.

Para receber-vos feriu-se ele da máxima de entre as únicas feridas na terra, que nunca se cicatrizam, porque delas uma imensa coisa emerge e se impõe que as eterniza.

Só para o alicerce, a lavra, a sepultura e a trincheira se tem o direito de ferir a terra. E mais legítima que a ferida do alicerce, que se eterniza na casa a dar teto para o amor, a família, a honra, a paz.

Mais legítima que a ferida da lavra, que se eterniza na árvore a dar lenho para o leito, a mesa, o cabo da enxada, a coronha do fuzil.  
Mais legítima que a ferida da sepultura, que se eterniza no mármore a dar imagem para a saudade, o consolo, a benção, a inspiração.

Mais legítima que essas feridas é a ferida da trincheira, que se eterniza na Pátria a dar a pura razão de ser da casa, da árvore e do mármore.

Este cavado trapo de terra, corpo místico de São Paulo, em que ora existis consubstanciados, mais que corte de alicerce, sulco de lavra, cova de sepultura, é rasgão de trincheira.

E esta perene que povoais é a nossa última trincheira.

Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que deu à terra o seu suor,
a que deu à terra a sua lágrima, a que deu à terra o seu sangue!

Esta é a trincheira que não se rendeu: a que é nossa bandeira gravada no chão, pelo branco do nosso Ideal, pelo negro do nosso Luto, pelo vermelho do nosso Coração.

Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que atenta nos vigia, a que invicta nos defende, a que eterna nos glorifica!

Esta é a trincheira que não se rendeu:
a que não transigiu, a que não esqueceu, a que não perdoou!

Esta é a trincheira que não se rendeu: aqui a vossa presença, que é relíquia, transfigura e consagra num altar para o voo até Deus da nossa fé!

E pois, ante este altar, alma de joelho à vós rogamos:

— Soldados santos de 32, sem armas em vossos ombros, velai por nós!
sem balas na cartucheira, velai por nós!
sem pão em vosso bornal, velai por nós!
sem água em vosso cantil, velai por nós!
sem galões de ouro no braço, velai por nós!
sem medalhas sobre o cáqui, velai por nós! sem mancha no pensamento, velai por nós! sem medo no coração, velai por nós!
sem sangue já pelas veias, velai por nós!
sem lágrimas ainda nos olhos, velai por nós!
sem sopro mais entre os lábios, velai por nós!
sem nada a não ser vós mesmos, velai por nós!
sem nada senão São Paulo, velai por nós!

Afora a participação no Movimento Constitucionalista de 1932, durante sua vida, Guilherme de Almeida acompanhou o processo político brasileiro, porém sem protagonismo como naquele movimento. Foi sempre um intransigente defensor de São Paulo em relação ao governo de Getúlio Vargas. Foi também diretor e fundador do Jornal de São Paulo, de oposição, fechado vinte dias após o lançamento do seu primeiro número, em 10 de abril de 1945; voltou a funcionar, cinquenta dias após, mantendo a linha oposicionista. Há quem estabeleça relação entre o período de mais de vinte anos de escassez poética de Guilherme de Almeida e o período da ditadura Vargas.  
Em 1950, na eleição em que Getúlio Vargas é eleito presidente, Guilherme de Almeida foi candidato a deputado estadual pelo Partido Republicano, sem sucesso.  
Amigo do presidente Juscelino Kubitschek - que, em 1959, o homenageou com um banquete por ocasião de sua eleição como Príncipe dos Poetas - foi por ele convidado para ser o orador oficial da inauguração de Brasília, em 1960, cidade, aliás, cujo brasão é de sua autoria. Nele cunhou a legenda Venturis ventis – Aos ventos que hão de vir.

Em março de 1964, por ocasião do movimento militar que afastou o presidente João Goulart e tomou o poder no Brasil, acompanhou os acontecimentos, porém, não deixou de, em sua coluna no jornal O Estado de São Paulo, em 17 de abril, de escrever uma ode à democracia e seus princípios de liberdade (“A Fala do Trono”).

VISIONÁRIO E MINIMALISTA
Como já se disse, Guilherme de Almeida transitou por vários gêneros literários, porém, sem se fixar em nenhum. Como ressaltam vários trabalhos sobre sua obra, ela é inovadora e inventiva, acompanhando a evolução dos gêneros literários da sua época. Em vezes, ela é por excelência decursiva, isto é, inspira-se nos trabalhos de outros poetas, inclusive, estrangeiros, aos quais tinha acesso e estudo, a partir das suas traduções, altamente elogiadas, e, importante, cria e inova sempre.
Conforme Ulisses Infante,  “reutilizou e reatualizou formas poéticas trovadorescas, humanistas, quinhentistas, românticas: também praticou poesia moderna e pós-moderna, convergindo em direção a uma concisão cada vez mais intensa, que valoriza cada vez mais as elipses e o silêncio como forma expressiva.”
Traduziu poemas do célebre poeta japonês Matsuo Bashô, criador do haicai, e propôs um modelo adaptativo dessa forma poética. É um dos primeiros poetas brasileiros a elaborar haicais.  
Em 1936, levado pelo Cônsul japonês no Brasil, poeta Kozo Ichige, passou a frequentar um clube de poesia mantido pela comunidade japonesa no bairro da Liberdade em São Paulo, onde conheceu os haikai, poema condensado, minimalista, composto apenas de três versos que abordam, comumente, questões como a espiritualidade, a natureza e a fugacidade do tempo.
Originalmente os haicais não possuem títulos, nem rima e tratam do kigo, estações do ano (verão, outono, inverno, primavera) e referemse a um instante único, efêmero, o chamado “momento de elite” ou um “achado”, como se diz quanto à trova.
Guilherme de Almeida foi um dos fundadores e primeiro presidente da Aliança Cultural Brasil – Japão.
Em 23/02/1937, publicou no Jornal O Estado de S. Paulo, o artigo “Os Meus Haicais” onde sistematiza as suas ideias sobre o que seria o haicai em português: um terceto com 5-7-5 sílabas, dotado de título, sendo que o primeiro verso rima com o terceiro, além de contar com uma rima interna no segundo verso, entre a segunda e a sétima sílabas.
Neste artigo, Guilherme de Almeida defende o gênero reducionista e pede compreensão e reflexão, especialmente aos que criticavam os seus haicais, chamando-os de charadas.
“Vinte anos de poesia - uns trinta livros de versos escritos e uns vinte publicados – levam-me hoje à conclusão calma (que não é uma negação à minha nem um sarcasmo às obras dos outros) de que não há ideia poética, por mais complexa, que, despida de roupagens atrapalhantes, lavada de toda a excrecência, expurgada de qualquer impureza, não caiba estrita e suficientemente, em última análise, nas dezessete sílabas do haicai. O “O Melro”, “O Navio Negreiro”, “A vingança da Porta”, o “Ouvir Estrelas”, os trinta e três sonetos do meu “Nós” (no caso, não é pretensão, senão mero estoicismo, o colocar-me em tão superior companhia) poderiam ter sido reduzidos a simples haicais.
Questões, apenas, de coragem: coragem de renunciar a si mesmo, a uma porção de enfeites, de supérfluos mais ou menos bonitos, para só manter um essencial”. (...)
E finaliza:
“Compreende-se bem: trata-se ainda de uma experiência – mais nada. O que eu reclamo, para esses versos, não são as rugas fundas na testa séria, para a sentença que absolve ou condena; mas as rugas leves, nos cantos dos lábios espirituosos, para o sorriso que não absolve nem condena por que ... porque o sorriso é ainda a única coisa, no mundo, que não pode ser ridícula.”  
Dada a sua influência sobre outros poetas, pode-se falar de uma escola "guilhermina" dentro do movimento haicaísta brasileiro. Aliás, seus haicais são chamados de “guilherminos”.
Em interessante entrevista ao jornal Gazeta Magazine, em 29/09/1941, concedida a Genésio Pereira Filho, publicado sob o título “Haicai, Poesia e Estação”, Guilherme de Almeida explica como e porque chegou a sua adaptação de haicai:
“- Os haikai - usamos o plural porque o singular incorre num cacófato - são criação do século XVII, de Bashô, que era um poeta boêmio, de vida inconstante e cheia de altos e baixos. Fez escola. É poesia essencialmente sintética, de dezessete sílabas, muito popular no Japão. A poesia mais popular, porém, é a "tanka", de trinta e uma sílabas. Existem também o "dodoitsu" e o "jintaishi", este o verso livre nosso. De todas estas formas poéticas, a mais interessante porque mais rigorosa, a que mais disciplina exige, é o haikai; em primeiro lugar por ser uma síntese; tem apenas dezessete silabas; e em segundo lugar, pela sua construção forçada em três versos, um de cinco silabas, outro de sete e um último também de cinco.
- E o haikai como poesia "do momento"?
Além das limitações de que falei, uma outra torna o haikai dificílimo e, portanto, interessantíssimo: é a de ser uma "poesia de estação" ou "saisonnière". Tem que se limitar a impressões efêmeras, do momento que passa. Pode-se mesmo dizer que somente existem quatro espécies de haikai: de primavera, de verão, de outono e de inverno.
- O amor não tem participação nessa poesia?
- Absolutamente. O elemento amor não entra nem pode entrar no haikai. Ele se inspira exclusivamente no aspecto da terra em cada uma dessas fases do ano. Esses "motivos" de estação, quer dizer, a razão de ser poética do haikai, chama-se em japonês "kilai" (Nota do Editor: corruptela de "kidai").
- O conceito de haikai pode ser contido numa definição?
- Sim. E a melhor definição, contendo todos os elementos, é dos próprios japoneses: "o haikai é a anotação poética e sincera de um momento de elite". Note bem: anotação breve e poética. E pela sua qualidade de ser poesia espiritual, sincera, não pode deixar de ser feita no momento: no verão não se faz um haikai da primavera. Além do mais, é de um momento de elite. Cita-se como exemplo perfeito de haikai um de Bashô:
No tanque morto há
o ruído de uma rã
que mergulha".

Esse haikai tem o título de "Solidão" e o título no haikai é como o verbete num dicionário: o texto definirá o título.

- O haikai exige do próprio leitor um alto senso poético, segundo creio. Em caso contrário jamais poderá penetrar a essência dessa poesia. Qual sua opinião?
- Exatamente. O haikai citado é um exemplo. Que relação haverá entre uma rã que mergulha num tanque morto com a solidão? Entretanto, acho que não há definição mais perfeita de solidão do que a que se contém nesse haikai. Veja-se mentalmente o desenho: numa água estagnada - tanque morto - a rã que mergulha abrindo em torno dela círculos concêntricos que se prolongam indefinidamente até às margens... Ora, não há nada mais "sozinho" no mundo do que o centro de uma circunferência; porque ele é único. A circunferência só pode ter um centro que só pode estar equidistante de todo o ponto da circunferência.
O mesmo modo, para produzir o haikai há de exigir-se muitas qualidades?
- Não só qualidades como é preciso, naturalmente, para produzir o haikai, uma grande iniciação. Eu a tive aqui em S. Paulo, em 37, quando fui conduzido pelo então cônsul do Japão em S. Paulo e poeta distintíssimo, Kozo Ichige, ao Clube Japonês cuja sede era na rua da Liberdade. Nesse clube realizavam-se verdadeiros "jogos florais". Doze poetas reunidos em torno de uma mesa, na terceira quarta-feira de cada mês, apresentavam cada um o seu haikai sobre um tema sorteado com um mês de antecedência. Esses haikai eram postos em concurso, sendo premiado o melhor. Lembro-me de que nessa reunião em que estive o tema dado anteriormente era este: "Brisa de primavera". Ouvi haikai interessantíssimos apresentados pelos poetas japoneses residentes em Sao Paulo: empregados no comércio uns, pequenos lavradores nos arredores da Capital outros, gente humilde mas de uma invejável cultura. Aliás, no Japão, a poesia quase que é obrigatória para todas as classes... As gueixas do Yoshiwara são todas poetisas de valor... Traduzi mesmo várias poesias dessas mulheres, como "Canções de Gueixas", que figuram no meu livro "Acaso". Por exemplo: "Esconderijo".
    "Nada de mágoas, nem queixumes!     Escondo-me na minha felicidade     como os vaga-lumes     que, quando querem se ocultar,     buscam a claridade     de um raio de luar..."
- E a transplantação para o ocidente?
- Quem revelou autorizadamente o haikai no ocidente foi Georges Boneau. A forma poética japonesa fez furor. Poetas franceses, ingleses, alemães, norte-americanos, puseram-se a fazer haikai. Mas, sem a rígida disciplina nipônica, mais ou menos ao acaso. Foi diante disso que eu tive a ideia nesse ano de 1937 de tentar uma transplantação rigorosa, submetida à disciplina rígida, do haikai para o português. Descobri que os dois metros - de cinco e de sete silabas - eram familiares aos nossos poetas: o de cinco o metro habitual das cantigas infantis, de roda ou de ninar. Por exemplo: "Tutu Maramoa", e o de sete, o verso essencialmente popular, das trovas ou redondilhas. Note-se que a métrica japonesa corresponde exatamente à nossa, pois é também silábica. O japonês não rima, não conhece a rima. Mas usa e abusa de aliterações e onomatopeias.
E quais as regras que estipulou para a sua transplantação?
- Na minha fórmula de haikai, entendi de conservar a rima, pois que é uma riqueza embelezadora da nossa poesia; é a "única corda que nós acrescentamos à lira dos gregos, entre os latinos". Não temos o direito de abrir mão dessa conquista e assim construo o haikai da seguinte maneira: um verso de cinco sílabas, outro de sete e um terceiro de cinco. Os de cinco rimando entre si e o de sete com uma rima interna: a segunda sílaba rimando com a sétima.
Outubro
"No fim da alameda
há raios e papagaios
de papel de seda".

(Rima: alameda com "seda" e "raios" com "papagaios")

- Ultimamente li um livro de haikai, em que entra o lirismo. Um livro todo de haikai. O que pensa?
- Escrevi o meu primeiro haikai no dia 13 de agosto de 1937 e até hoje, 13 de maio de 1941, só consegui fazer quarenta e três haikai. É pouco, mas é assim... Exuberante poeta nacional, em uma semana, publicou trezentos e cinquenta haikai!!... (ponha assim mesmo, dois pontos de admiração e reticência...). Duvido que essas composições sejam "anotações poéticas e sinceras de momentos de elite"... E por falar em momento de elite, tenho que acreditar nele. É que ele tem que ser aproveitado no instante mesmo a sua sinceridade. Cito um caso que se passou comigo mesmo. Em março de 1938, vi uma quaresmeira, florida, maravilhosa. Era à tardinha, a luz já oblíqua do quase outono faz ajoelhar-se aos pés da árvore a sua sombra. Lembrei-me das imagens de quaresma - vestidas de roxo nas igrejas. O haikai ocorreu-me incontinente. Eu estava num ônibus; ia construindo mentalmente, improvisando, pois que o haikai é sempre improvisado. Foi quando um conhecido, um amigo - antes um inimigo - isto é, o homem que explica, cortou-me o pensamento. Apontou-me a árvore, comentando a sua beleza e dando-lhe o nome técnico, botânico da quaresmeira. Quando cheguei em casa, à noite, quis refazer o haikai. Inútil. Por mais de três horas nesse afã, nada consegui. Saiu um outro haikai, inspirado numa estrelinha que, pela minha janela eu avistava. Estava cochilando e esse movimento de pender e levantar a cabeça, de abrir e fechar os olhos... de "piscar"... "pescar"...

Cochilo. Na linha
Eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.

O título desse haikai é "Pescaria".

- Falamos atrás sobre a iniciação necessária ao cultor do haikai. Um exemplo?
- Perguntaram-me no Clube, para uma resposta em dez minutos: Por que a Primavera é sono?
Ora, a Primavera é a estação das flores. Tudo desperta alegremente, festivamente... Deveria ser sinônimo de vida ativa; mas de sono...
Mas consegui a resposta: a Primavera é sono porque a flor é o berço onde dorme o fruto!
- Sendo poesia de estação, o haikai será objetivo?
- “Justamente. Essa palavra vem a calhar”, respondeu o autor de "Acaso". “O haikai é eminentemente objetivo”, acrescentou, ao mesmo tempo em que púnhamos um ponto final à presente entrevista.
Alguns haicais de Guilherme de Almeida:
INTERIOR

Havia uma rosa no vaso. Veio o ocaso
a hora silenciosa.


BOLHA DE SABÃO

Dirás, quando a vires:
“A bola de vidro
rola debaixo do arco-íris”.


PRESENÇA

Hora sem ninguém.
No manso ondear do balanço
de lona está alguém.

PUZZLE

A vida aos pedaços
nos brilhos destes ladrilhos
dos longos terraços.

HISTÓRIA DE ALGUMAS VIDAS

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação.
E o trem passa sem parar.

O POETA

Caçador de estrelas.
Chorou: seu olhar voltou com tantas! Vem vê-las.

FILOSOFIA

Lutar? Para quê?
De que vive a rosa?
Em que pensa? Faz o quê?

ROMANCE

E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas

O PENSAMENTO

O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago
No rosto, uma ruga.

“Com os haicais, Guilherme de Almeida trabalha de forma original e interessante temas que sempre estiveram presentes em sua obra, como a espiritualidade, o tempo e a transcendência e inicia um novo campo de experimentação em sua obra literária, enfatizando a poesia reducionista, minimalista. Essa produção constitui ponto alto de sua poesia” (Marcelo Tápia, Diretor da Casa Guilherme de Almeida).
Retoma os conceitos de “ritmo” e de “silêncio” expressos em trabalho apresentado, em 1926, para concorrer a uma vaga de professor do magistério – “Ritmo, elemento de expressão” - e no discurso de posse da Academia Brasileira de Letras, em 1930.
Como explicitado por Infante,  sentir a poesia como ritmo é um dos fundamentos da prática poética de Guilherme de Almeida.
- “É o ritmo que eleva a palavra para além do cotidiano poético ao conduzir a verdade à beleza: é o ritmo a vida da frase”.
Outra recorrência da sua obra, apontado por Infante, é a consideração do silêncio como linguagem.
- “Silêncio é noção interrogante”.
- “Dizer é cada vez mais impregnar-se do não dizer”.
- “Há uma sabedoria do silêncio, da quietude, do repouso, que também pode ser a da abstenção do verbo. É a captação do não dito, do mentado na quietude, no desafio”.
Em 1947, publica “Poesia Vária” com os haicais que já havia apresentado em 1937 no jornal O Estado de S. Paulo, bem como outros poemas dentro de uma orientação reducionista.
Na primeira parte desta obra, intitulada “Peregrinação”, celebra a aquisição da sua casa própria:
- “Descalço em teu portal de hera e de granito minhas sandálias sujas do infinito”

POEMAS PARA VER  
Outra característica da obra de Guilherme de Almeida é a visualidade.  Ao longo de sua vida ele sempre demonstrou interesse pela imagem. Ajudou a fundar a revista Klaxon, porta-voz do movimento modernista, criou a capa do periódico e também fez anúncios publicitários na revista.  
No “Livro de Horas de Soror Dolorosa”, publicado em 1920, vê-se o poema “Estância VII” (sobre ambição) com a seguinte forma, que prenuncia o concretismo, movimento que vai se consolidar, no Brasil, quarenta anos mais tarde, a partir dos anos 1960.
Só de pó
Deus o fez.
Mas ele, em vez de se conformar,
quis ser sol, e ser mar,
e ser céu... ser tudo, enfim.
as nada pôde!
E foi assim que se pôs a chorar de furor...
Mas ah! foi sobre sua própria dor que as lágrimas tristes rolaram.
E o pó, molhado, ficou sendo lodo - e lodo só!
.

Relacionam-se e expressam-se, eloquentemente, o conteúdo e a forma: Adão, só, no topo da pirâmide, e, cometido o pecado, no lodo.  
Igualmente, em “Era uma Vez”, publicado em 1922, apresenta o poema “Telefone” com disposição gráfica que quebra o verso em partes, cuja forma representa o diálogo travado ao telefone e o sentimento que o inspira. Colocados numa disposição conservadora, clássica, ficariam assim os versos no poema, perfeitamente metrificado e rimado, mas muito menos expressivo.
TELEFONE
Pronto! Sou eu...
       Bom dia!
              Eu vou bem; e você?
Leu os versos? Que tal?
                                     Indiscretos, por quê?
Os outros vão saber? Mas é isso justamente que eu quero...
                                Por que não? Quero que toda gente tenha inveja de mim.
                                 Mas faço questão de que saibam de tudo!
                                      É claro: indiscrição em amor quer dizer vaidade...
                                             Eu não seria capaz?
                       Diante de todos, sim!
                                              Que eu não diria?
Aposto! Quer que diga?
               Hein?
                                                Com muito prazer...
Ouça!
                 Há gente aqui perto; eu não posso dizer...
  
Pronto! Sou eu... Bom dia! Eu vou bem; e você?
Leu os versos? Que tal? Indiscretos, por quê?  

Os outros vão saber? Mas é isso justamente que eu quero... Por que não? Quero que toda gente

tenha inveja de mim. Mas faço questão de que saibam de tudo! É claro: indiscrição

em amor quer dizer vaidade... Eu não seria capaz? Diante de todos, sim! Que eu não diria?

Aposto! Quer que diga? Hein? Com muito prazer...
Ouça! Há gente aqui perto; eu não posso dizer...

Em muitos outros poemas, Guilherme de Almeida inova na forma e no conteúdo, prenunciando o caráter original e visionário de sua poesia, sendo considerado, por isso mesmo, por muitos, “o mais moderno dos modernistas”. Relembra-se que os poemas com forma concretista, anteriormente citados, foram publicados em 1920 e 1922, respectivamente.  






POEMAS PARA VER E PENSAR

A busca da síntese está presente em toda a obra de Guilherme de Almeida, desde antes da descoberta dos haicais, em 1937.  Segundo Frederico Ozanam Pessoa de Barros.:  
“Os últimos livros – Rua (1961), Rosamor (1965) e Instantes (1969)10 – constam, todos, de pequenos poemas que, explorando, às vezes, apenas o aspecto gráfico das palavras, ou sua musicalidade, visam, parece, a alcançar o impossível: escrever um poema sem palavras. Pelo menos, num deles, dos últimos que escreveu, Guilherme quase conseguiu seu intento, ao dar-lhe como título um simbólico ponto final”.
O poeta morreu em 1969 deixando um conjunto de poesias inéditas, publicadas post mortem no livro “Margem”, em 2010. Os poemas haviam sido cuidadosamente datilografados e envolvidos em uma capa feita de cartolina. Marcelo Tápia, diretor da Casa Guilherme de Almeida, providenciou a publicação seguindo à risca o formato sugerido pelo autor. A capa do livro, concebida por Guilherme de Almeida, antecipa o sentido da palavra e joga as letras para a vertical, na margem da página.

“Os pequenos poemas soam como constatações. Como um observador que olha ao acaso, da margem de um rio, da margem da vida, Guilherme de Almeida tenta captar o instante, o poemainstante, como se lê na poesia que abre o livro. Chama a atenção a leveza e o frescor do texto. Mesmo com quase 80 anos, o poeta não demonstra nostalgia ou saudade pelo que se foi.
Prefere cantar a vida, mesmo quando fala do que já passou: "alva, lívida, ávida ave da vida havida!".  
"É uma procura constante e radical de economia de elementos, combinada à densidade de significação", escreve Marcelo Tápia no prefácio do livro.  
Como já se disse:
- “Silêncio é noção interrogante”.
- “Dizer é cada vez mais impregnar-se do não dizer”.
Alguns poemas do último livro de Guilherme de Almeida:


O POEMA-INSTANTE
O INSTANTE-FLOR
A FLOR DE ACASO
ACASO HAVIDA
HAVIDA À MARGEM MARGEM
DA VIDA.






SINETE

     Álacre           marca           a lacre?
          
          Acre           milagre:           lágrima



CÁ E LÁ

         Aquém          há além.              Além              há quem?

  
A FEMININA

Chuvisco arisco, grisalho orvalho, sereno ameno frio rocio ... Garoa “boa”!


DIÁLOGO

- Vida, serias então o adeus que nós dizemos todos os dias? - Graças a Deus!


TÉDIO
Nem a maior, nem o menor, nem o melhor, nem o pior, mas a sombria melancolia do termo-médio: somente o ...
(título deste capítulo).


OS ROMÂNTICOS

Míticos místicos      límpidos      ímpetos lívidos ídolos, dignos       signos, líricos tísicos.
  

“EX”

O que passou. Felicidade que se foi, ou um tanto cínica fórmula alquímica da saudade.



Sem mim em mim? Sim:
FIM

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INFANTE, Ulisses – A poesia de Guilherme de Almeida: de tradição e silêncio, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2011  
MARIUZZO, Patrícia – Ciência e Cultura, vol.63, no.2, São Paulo, 2011  
PESSOA DE BARROS, Frederico Ozanam – Guilherme de Almeida, seleção de textos, estudo histórico-literário, biografia e atividades de compreensão e criação, São Paulo, Ed. Abril, 1982
ULRICH, Aline – Guilherme de Almeida e a Construção da Identidade Paulista, Dissertação, FFLCH – USP, São Paulo, 2020  
VENEZIANI, Cezar – A Forma na poesia pré-modernista de Guilherme de Almeida, Revista re-produção, Casa Guilherme de Almeida, São Paulo, 2020


CADEIRA 10 – SÍLVIO ROMERO RIBEIRO TAVARES
Enviado por ABLAM em 06/05/2023
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